O Espírito Santo em movimento nos Atos dos Apóstolos, o inicio das missões
A
promessa
Em dois lugares diferentes e em duas
ocasiões diferentes, Jesus se referiu abertamente à descida do Espírito Santo.
A primeira ocorrência foi no Cenáculo de Jerusalém, na véspera de sua morte (Jo
14.16; 15.26; 16.7 e 16.13). A segunda, no povoado de Betânia, perto de
Jerusalém, quarenta dias após a ressurreição e no dia de sua ascensão (At 1.8).
Cerca de novecentos anos antes,
porém, por boca do desconhecido profeta Joel, Deus havia prometido: “[...] vou
derramar meu Espírito sobre todo tipo de gente – Seus filhos vão profetizar e
também suas filhas. Seus jovens terão visões e seus velhos terão sonhos. Vou
derramar meu Espírito até sobre os escravos, tanto homens quanto mulheres” (Jl
2.28-29). Quando a promessa se cumpriu, logo veio à mente de Pedro essa
passagem das Escrituras, que ele conhecia de cor, e a citou em seu discurso (At
2.16-21).
João Batista também mencionou o
evento do Pentecostes: “Eu os batizo com água para mostrar que vocês se
arrependeram dos seus pecados, mas aquele que virá depois de mim os batizará
com o Espírito Santo e fogo” (Mt 3.11). E o próprio Jesus, além daquelas
promessas proferidas no Cenáculo, fez uma curta referência à futura provisão do
Espírito: “Porque naquela hora o Espírito Santo lhes ensinará o que devem
dizer” (Lc 12.12).
A espera
A descida do Espírito dependia da
ascensão de Jesus, como ele declarou: “Eu falo a verdade quando digo que é
melhor para vocês que eu vá. Pois, se não for, o Auxiliador não virá; mas, se
eu for, eu o enviarei a vocês” (Jo 16.7). Porém, o Espírito Santo não veio na
tarde nem no dia seguinte a sua ascensão. Jesus prometeu a vinda do Espírito,
mas não forneceu nem o dia nem a hora desse evento próximo, pois não caberia a
eles “saber a ocasião ou o dia que o Pai marcou com a sua própria autoridade”
(At 1.7).
Jesus deu uns dias de folga para os
discípulos. A ordem de se espalhar e de ir por todo o mundo pregar o evangelho
deveria ficar suspensa até o cumprimento da promessa: “[...] fiquem em
Jerusalém e esperem até que o Pai lhes dê o que prometeu, conforme eu disse a
vocês” (At 1.4). A espera durou dez dias. Curioso é que a maior parte dos
discípulos morava em outras cidades, especialmente na Galileia. Nesse período,
eles ficaram hospedados, quem sabe, na mesma sala ampla, mobiliada e arrumada
onde se reuniram com Jesus antes de sua morte (At 1.12-13). O tempo foi ocupado
com reuniões de oração e a escolha de Matias para assentar-se na cadeira vaga
de Judas, o traidor.
O surto
A história está cheia de “de
repente”. De repente, os sabeus atacaram os servos de Jó e levaram todo o seu
gado; de repente, veio um vento do deserto e derrubou a casa onde estavam os
dez filhos de Jó; de repente, chegou o dia da desgraça; de repente, o muro
desmoronou e caiu no chão; de repente, apareceu a mão de um homem e escreveu
umas palavras na parede branca da sala do banquete de Belsazar; de repente, a
terra começou a tremer. A descida do Espírito Santo aconteceu de repente ou
inesperadamente. O evento era esperado, mas o dia e a hora eram desconhecidos.
Aconteceu no quinquagésimo dia depois do Sábado de Aleluia, em dia de festa
(Festa das Semanas) e em dia de domingo, antes das nove horas da manhã. Naquele
momento, “todos os seguidores de Jesus [provavelmente os 120 mencionados no
capítulo anterior] estavam reunidos no mesmo lugar [talvez num recinto qualquer
do templo]” (At 2.1).
O surto, ou o impulso inicial
provocado pela descida do Espírito Santo foi algo público – em contraste com o
nascimento de Jesus –, notório, marcante, inesquecível e tremendo. Houve sinais
audíveis – “o barulho de um vento soprando muito forte” que enchia o recinto –
e visíveis – coisas parecidas com chamas que se espalhavam como línguas de
fogo. Houve também alguns fenômenos. De posse do poder e da soberania do
Espírito Santo, os discípulos começaram a falar em outras línguas as grandezas
de Deus. Era uma formidável mistura de louvor e testemunho. Cada um dos
imigrantes de diversas procedências como Palestina, Oriente Próximo, Norte da
África, Sul da Europa e ilhas do Mediterrâneo, que moravam em Jerusalém, ouvia,
em sua própria língua, o que os discípulos falavam. Muitos desses estrangeiros
e nativos já tinham visto fenômenos extraordinários apenas cinquenta dias
antes, no dia da crucificação de Jesus, como as três horas de escuridão em
pleno dia e o tremor de terra. Os mais religiosos tinham conhecimento também
daquele estranho e discreto fenômeno do rompimento do véu do templo exatamente após
a morte de Jesus.
O fato é que todos em Jerusalém,
estupefatos, não conseguiram entender o que estava acontecendo. Com a
explicação do fenômeno e a pregação sobre a morte e a ressurreição de Jesus
dadas por Pedro, quase 3 mil pessoas acreditaram na mensagem anunciada, foram
batizadas e se juntaram ao grupo dos seguidores de Jesus (At 2.41).
O comandante
Jesus fez uma clara ligação da pessoa
do Espírito Santo com a Grande Comissão: “Porém, quando o Espírito Santo descer
sobre vocês, vocês receberão poder e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em
toda a Judeia e Samaria e até nos lugares mais distantes da terra” (At 1.8).
Essa associação é transparente em todo o livro de Atos, o primeiro volume da
história de missões. Tão transparente que há quem sugira que o livro deveria se
chamar “Atos do Espírito Santo”.
É o Espírito Santo quem comanda o
trabalho. Vê-se isso claramente no ministério de Filipe e de Paulo. O Espírito
ordenou a Filipe que se aproximasse daquela carruagem que levava o tesoureiro e
o administrador das finanças da rainha da Etiópia. Graças a essa orientação, o
homem se converteu, foi batizado e introduziu o evangelho na Etiópia (At
8.29-38). Foi o Espírito quem levou Filipe daquela estrada deserta para
evangelizar as cidades entre Azoto e Cesareia (At 8.39-40).
Foi o Espírito quem interrompeu a
reunião de oração daqueles cinco líderes da igreja de Antioquia e tirou dois
dentre eles – Barnabé e Saulo – para o trabalho missionário (At 13.2). Graças a
essa intervenção do Espírito, os dois amigos iniciaram sua primeira viagem
missionária. Mesmo mais tarde separados, Barnabé e Paulo continuaram a viagem
para pregar o evangelho, com itinerários diferentes.
Em outra ocasião, o Espírito Santo
bloqueou por duas vezes os planos de Paulo de pregar na Ásia e na Bitínia, para
forçar sua ida e de seus companheiros para a Macedônia (At 16.6-10). Graças a
essa manifestação do Espírito, a Europa foi alcançada para Cristo e se tornou
um celeiro missionário por vários anos. Paulo se deixava dirigir, como se pode
ver no encontro que ele teve com os presbíteros de Éfeso em Mileto: “Agora eu
vou para Jerusalém, obedecendo ao Espírito Santo”. Além de traçar o itinerário
de Paulo, o Espírito não escondeu dele as prisões e o sofrimento que o
esperavam (At 20.22-23).
Quando Pedro estava confuso com a
visão dos animais imundos que teve em Jope e com o convite de Cornélio, o
Espírito Santo deixou tudo claro e lhe disse: “Agora apronte-se, desça e vá com
eles [os portadores do convite]. Vá tranquilo porque fui eu que mandei que eles
viessem aqui” (At 10.20).
O fato é que, em trinta anos de
missões, o evangelho alcançou os mais importantes centros urbanos do mundo e
nele se estabeleceu (Jerusalém, Éfeso, Corinto, Atenas e Roma).
O missionário precisa dar abertura ao
Espírito, para que ele o leve para o lugar certo no tempo certo, pois a visão
do Espírito é panorâmica tanto no sentido geográfico como histórico. Ele tudo
vê – vê o presente e o futuro. Ele tem agenda, tem estratégia, tem prioridade.
Ele tem direito de comandar, de empurrar alguém para algum lugar.
A unidade
A consciência que a igreja primitiva
tinha da presença do Espírito Santo era tão grande que Pedro disse a Ananias
que ele havia mentido ao Espírito Santo e a Safira que ela havia conspirado
contra o Espírito Santo (At 5.1-11). Não podia ser mais cuidadosa a carta
pastoral que os apóstolos e os presbíteros enviaram aos irmãos de Antioquia, da
Síria e da Cilícia: “Porque o Espírito Santo e nós mesmos resolvemos não pôr
nenhuma carga sobre vocês” (At 15.28).
As plenitudes
É no livro de Atos dos Apóstolos que
a expressão “cheio do Espírito Santo” aparece mais vezes em toda a Bíblia. Em
duas ocasiões, fala-se de uma plenitude coletiva: “Todos ficaram cheios do
Espírito Santo”. A primeira foi no dia de Pentecostes (At 2.4) e a outra foi
quando Pedro e João foram soltos da cadeia por falta de provas (At 4.31). As
demais passagens mencionam uma plenitude individual: Pedro cheio do Espírito
Santo (At 4.8), Estêvão cheio do Espírito Santo (At 6.5; 7.55), Barnabé cheio
do Espírito Santo (At 11.24). Subentende-se que os sete diáconos eleitos eram
como Estêvão, cheios do Espírito Santo, por causa da orientação dada pelos
apóstolos (At 6.3).
A Bíblia fala em diferentes
plenitudes negativas – mãos cheias de sangue, olhos cheios de adultério, casa
cheia de coisas roubadas, cidades cheias de violência etc. – e outras positivas
– uma tribo cheia da bênção do Senhor, lábios cheios de louvor, uma velhice
cheia de vida, coração cheio de júbilo etc.
Não há mistério algum na expressão
“cheio do Espírito”. Plenitude significa alguma coisa cheia até entornar –
talhas cheias de água, cestas cheias de pães e peixes, vale cheio de ossos – ou
alguma pessoa cheia de algum privilégio – cheia de graça, cheia de temor do Senhor,
cheia de poder. Logo, plenitude do Espírito significa estar cheio da presença
do Espírito, do poder do Espírito, da unção do Espírito, da direção do
Espírito.
O contrário da plenitude do Espírito
é a plenitude de si mesmo. Paulo refere-se a certas pessoas “cheias de si” (Cl
2.18). Uma plenitude não combina nem convive com a outra.
Guardadas as devidas proporções,
talvez alguém possa dizer sem mentir, sem exagerar, sem se exaltar e sem tomar
o nome de Deus em vão o que o profeta Miqueias declarou ao povo de Jerusalém e
de Samaria, para diferenciar-se dos falsos profetas: “Mas quanto a mim, estou
cheio do poder do Espírito do Senhor, do amor pela justiça e da coragem para
anunciar, sem medo, o castigo que Deus dará a Israel por causa de seus pecados”
(Mq 3.8). Contudo, por uma questão de prudência e de recato, seria melhor
deixar que os outros digam que algum de nós está cheio do Espírito Santo!
O traficante
Dois Simões se encontraram em
Samaria. Um era Simão, o apóstolo, cheio do Espírito Santo. O outro era Simão,
o mago, cheio de inveja. Quando Simão Pedro e João perceberam que os crentes de
Samaria tinham sido batizados apenas no nome de Jesus e que o Espírito Santo
ainda não tinha vindo sobre eles, os apóstolos lhes impuseram as mãos e eles o
receberam (At 8.14-17). Embora batizado (por equívoco?), o feiticeiro não
recebeu o Espírito Santo, e ele sabia que, por causa desse batismo de fogo,
poderia fazer coisas muito mais fantásticas do que aquelas que fizera até então
com as suas feitiçarias. Ele havia presenciado os milagres operados pelo poder
do Espírito por meio de Filipe, como expulsão de demônios e curas de coxos e
paralíticos. Se ele se apoderasse do Espírito, poderia alcançar poder e
dinheiro. Assim, o mal convertido abriu a carteira e ofereceu aos dois
apóstolos quanto dinheiro eles quisessem em troca de poder para impor as mãos
sobre qualquer pessoa a fim de que ela também recebesse o Espírito (At 8.18-19).
Esse é o primeiro registro do desejo
de explorar o poder do Espírito para fins profanos. É impressionante que tenha
acontecido nos primeiros anos da história da igreja. A irreverência de Simão
foi tão grave que dessa loucura cunhou-se a palavra “simonia”, que, segundo
Simon Kistemaker, quer dizer “a compra ou a venda de um cargo eclesiástico ou a
obtenção de uma promoção eclesiástica pelo oferecimento de dinheiro”.
fonte ultimato.com
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