Profetismo, item esquecido da missão integral.
A missão integral da Igreja não é uma
corrente teológica contemporânea, mas a explicitação do conteúdo da missão,
conforme o exemplo e o ensino de Jesus Cristo. Ao longo da história, aspectos
dessa missão têm sido sub ou superenfatizados. A Igreja legitima a própria
existência como agência missionária na totalidade da missão a ela confiada, na
diversidade de dons e vocações dos integrantes e nas possibilidades e
oportunidades de cada conjuntura. A missão integral inclui cinco itens:
evangelismo (“kerigma”), comunhão (“koinonia”), ensino (“diakonia”), serviço e
profetismo (estes na “diakonia”). Denominados “avenidas da missão” pela
Conferência de Lambeth de 1988 dos bispos anglicanos, eles são assim definidos:
1) proclamar o evangelho do reino de Deus; 2) batizar e integrar os convertidos
a uma comunidade de fé; 3) ensinar todo o conselho de Deus; 4) despertar no
coração dos fiéis respostas de misericórdia às necessidades humanas; 5)
denunciar as estruturas iníquas da sociedade, defender a vida e a integridade
da criação. A missão integral foi esquartejada contemporaneamente pela
polarização entre o “evangelho individual” e o “evangelho social” e seus
derivativos, como o fundamentalismo e a teologia da libertação. O Brasil foi,
depois, afetado por essa polarização parcializante e mutilante.
Conservadores não têm problema com o
evangelismo, a integração a uma igreja ou o ensino. Porém, nem sempre estiveram
livres do reducionismo de uma “graça barata”, do sectarismo ou de ensinos de
escassa (ou nenhuma) base bíblica. Alguns aceitam a necessidade do serviço como
“isca” para o evangelismo ou como forma opcional e bondosa de “caridade”,
enquanto outros pensam que a responsabilidade social é do governo ou que os
problemas sociais decorrem apenas de pecados individuais, e a conversão é o que
interessa. A dimensão profética é ignorada ou negada, seja pelo pessimismo
escatológico pré-milenista e pré-tribulacionista, seja pelo adesismo acrítico
aos sistemas políticos e econômicos (“obedecer às autoridades”), seja pela
sacralização destes sistemas pela “civilização ocidental” ou pelo destino
manifesto de um país “escolhido” como ensaio da nova humanidade. Liberais
tendem a não se envolver com o evangelismo, visto pejorativamente como
“proselitismo”, além de desnecessário para uma soteriologia universalista
(todos salvos) em que o batismo e a vinculação à Igreja são algo bom, mas
opcional, pois “Jesus veio para trazer o reino e não para criar a Igreja”. Para
eles, esta é uma instituição transitória, e o ensino deve ser plural e
especulativo, pois a Bíblia é uma literatura religiosa humana plena de erros e
a verdade revelada absoluta não existe; ensiná-la é fomentar alienação,
intolerância, misoginia, sexismo e homofobia. Quanto ao serviço, alguns o acham
necessário enquanto uma sociedade utópica não virar tópica, e outros o combatem
por ser um mero paliativo alienante, obstáculo às reformas estruturais
necessárias. A missão se reduz ao profetismo sempre atrelado a uma ideologia
secular, como foi, por um tempo, o nazismo ou o marxismo.
O evangelicalismo, que tem procurado resgatar
a integralidade da missão em todas as dimensões, deságua no Movimento de
Lausanne e tem expressões regionais, como a Fraternidade Teológica
Latinoamericana (FTL). O Pacto de Lausanne ou a Declaração de Jarabacoa, da
FTL, sobre a responsabilidade política dos cristãos, são documentos sólidos
relativos ao que os católicos romanos chamam de “doutrina social da Igreja” e
os protestantes, de “pensamento social cristão”. Na prática, porém,
evangelismo, comunhão e ensino formam a “missão quase integral” -- tanto
nacional quanto importada, com o serviço extremamente débil (“boas obras é
negócio para católico querendo escapar do purgatório ou de espírita querendo
uma melhor reencarnação”) --, não considerada como evidência necessária e
desdobramento da salvação (“para que nelas andássemos”). O profetismo é algo
ausente do que se crê, do que se ensina e do que se pratica. Se as utopias
seculares “foram para o espaço”, “levando de roldão” a esquerda teológica --
hoje relativista, cética ou mística, acendendo incenso ou abraçando árvores --,
a direita teológica ainda a vê como “coisa de comunista” e afirma que não
adianta fazer nada, pois o mundo vai de mal a pior e, já que as pessoas vão
mesmo ferver no inferno, é bom que comecem ensaiando neste mundo. A defesa da
integridade da criação (ecoteologia) divide os cristãos quanto à consciência e
à atitude, bem como a defesa da vida no tocante ao aborto, à eutanásia, à
tortura e às desigualdades sociais. Isso porque, para além de meras opções
individuais, ou algo histórico e cultural, elas decorrem de políticas públicas,
decididas por governantes concretos, seus partidos, programas e ideologias, que
representam interesses econômicos.
Os cristãos não querem sair do conforto, se engajar, se libertar da imprensa manipuladora, lançar mão das
ferramentas das ciências sociais, se chocar com os donos do poder (aliados na
troca clientelística de interesses), ou porque os “filhos do rei” querem
integrar o “andar de cima” (sinal da bênção da prosperidade), e essa coisa de
ética e “denunciar as estruturas iníquas da sociedade” pode resultar em perda
de emprego, cadeia ou perda de vida (esse negócio de martírio...).
“A tarefa da Igreja é uma só: mudar o
mundo” (Charles Finney)
fonte ultimato.com
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