domingo, 18 de janeiro de 2015

O ESPIRITO SANTO E O DISCIPULADO


O Consolador e o discipulado 

A Obra do Espírito Santo (16.1-33)

A Obra e a Natureza do Espíri­to (16.1-16). Os versículos 1 a 4 são um parágrafo pequeno que começa com a mesma palavra grega que em João 14.25 e 15.11: “Tenho vos dito essas coisas”. O parágrafo também termina com a mesma frase. Com efeito, isto coloca a unidade entre parênteses. O tópico do parágra­fo contém séria advertência relativa à perseguição que virá da sinagoga. Até à semana da paixão, não era necessário Jesus advertir os discípulos sobre isso; mas agora Sua morte está se aproximando e o tempo de fazê-lo chegou. Na qualidade de seus seguidores, eles também sofrerão o mesmo perigo (v. 4 — este elemento é uma adição ao último parêntese).

A palavra usada somente em João (três vezes) para denotar esta ameaça (aposynagogos) ocorre pela última vez. Significa literalmente “expulsar da sina­goga”. Esta referência reflete não só os dias de Jesus, mas também as exaltadas tensões que surgiram da divisão oficial da Igreja e da sinagoga em torno de 85 d.C. É este ingrediente que dá a este Evange­lho a aparência de ser sectário. Ou seja, um grupo pequeno acredita que contém a natureza verdadeira e religiosa que o corpo maior abandonou, desenvolvendo a própria identidade e exemplificando esta verdadeira natureza. Por conseguinte, atrai o ódio desse corpo. Mas o corpo maior acredita que está protegendo a verdade ao remover a ameaça. Jesus fala adequa­damente de tais situações: “Vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus” (Jo 16.2). A razão desse procedimento é que eles não conhecem o Pai ou o Filho.

A última sentença no versículo 4 serve de transição para o parágrafo seguinte (vv. 5-16). O versículo 5 em grego co­meça com um conector contrastante. A afirmação da volta de Jesus para o céu fornece a razão para seu informe sobre a perseguição. “Vou” está no presente e sugere que nos eventos de sua hora, Jesus já está no processo de voltar para o céu. Este fato sutil permeia o relato da paixão e indica sua onipresença.
Estas notícias entristecem grandemente os discípulos (v. 6). Isto deixa mais claro o motivo de Jesus os encorajar várias vezes. Em João 14.1, quando Ele diz: “Não se turbe o vosso coração”, Ele está antecipando o impacto destas notícias. Mas Ele também tem grandes novas. No versículo 7, Ele observa que tem de voltar para o céu, senão o Consolador não virá. Isto apoia o que dissera antes, que tinha de voltar ao Pai para completar a obra de redenção. A vinda do Espírito (i.e., o Consolador) está baseada na obra expiatória de Jesus. Tudo acerca da obra do Espírito está relacionado com Jesus. Além disso, os discípulos não podem receber consolo sem o Espírito, que fará seu trabalho no interior deles e entre eles. Este fato sugere que a palavra parakletos, neste contexto, foi traduzida adequadamente por “Consolador”.

Um substantivo de mesmo radical que “Consolador” aparece em Lucas 2.25. Lá, Simeão espera a “consolação” de Israel. Quer dizer, Israel espera a libertação que o Messias dará da condição dolorosa. Israel será consolado. Contudo, o Espírito Santo já está sobre Simeão, que ainda espera a consolação do Messias. Não obstante, isto se encaixa com João, pois esta con­solação só vem pela redenção que Jesus, o Messias, proverá. Note que o próprio Jesus envia o Espírito (v. 7).

Os versículos 8 a 11 descrevem a função do Consolador. Escrito da perspectiva da terra, quando Ele chegar Ele convencerá o mundo de três coisas: do pecado, da justiça e do juízo. Até agora, a vinda do Consolador foi para o bem dos crentes. Por exemplo, Ele estará com eles, ser-lhes-á como pai (i.e., não os deixará como órfãos), lhes testemunhará, os instruirá e os fará lembrar as coisas sobre Jesus. “Consolador” é tradução apropriada paraparakletos até aqui. Agora o parakletos assume um papel semelhante ao promotor público dos dias de hoje. Talvez nenhum nome seja adequado para o Espírito em João 14 a 16.

O leitor não é deixado sozinho, imagi­nando o que são estas três coisas que o Espírito fará como promotor público.

1. Ele convencerá o mundo do pecado. Embora João presuma que todos são culpados do “pecado original”, esta não é sua ênfase. Recorde João 3-16-21 (e outros lugares), onde Jesus diz que Ele veio não para julgar os pecadores, mas para salvá-los. Contudo os incrédulos já foram julgados porque não creem (Jo 3.18). A vinda de Jesus confirma os pecadores em seu estado. Em João 3.20, aqueles que habitualmente cometem o mal, recusam-se a ir para a luz, para que eles não sejam reprovados, ou seja, convencidos (note em Jo 3.20 e 16.8,9 a ocorrência de verbos de significa­do semelhante: “reprovar”, “convencer”; veja esp. Jo 15.22). Mas com a vinda do Consolador, Ele os convencerá.

A função de Jesus era tratar do pecado de modo judicial. A função do Espírito será ir a cada pecador pessoalmente e falar-lhe ao coração e vontade. Agora que o aspecto judiciário foi tratado, o Espírito finalmente pode fazer seu trabalho. Ele virá e convencerá o mundo do pecado, tanto em termos do pecado original e separação de Deus (i.e., a forma singular de “pecado”, em Jo 16.8; cf. Jo 1.29; 8.21, etc.), quanto dos pecados pessoais de cada um (i.e., a forma plural em Jo 8.24; etc.). A ocorrência de palavras e até de sentenças semelhantes nos capítulos 3 e 16 diz ao leitor que ambos os contextos falam de tópicos semelhantes (e.g., cf. os verbos “convencer” e “condenar” em Jo 16.8 e Jo 3.18, respectivamente).

2. O Espírito convencerá o mundo da justiça. O Consolador convencerá da justiça, porque Jesus voltou para o Pai e o mundo já não o vê. Este também é um refrão recorrente neste Evangelho. Agora que o mundo estará convencido do pecado, ele será atraído para sua solução. Jesus terá feito sua obra, que começou com a vinda dos gregos (cf. a discussão sobre a “hora” no Jo 12), até que Ele volte ao Pai e apresente sua obra de expiação concluída. Este é o único modo de se acertar com Deus — aceitar Jesus como a justiça de Deus.

3. O Espírito convencerá o mundo do juízo (ou julgamento), porque o príncipe do mundo foi condenado. “O príncipe deste mundo” ocorre em João 12.31; 14.30; 16.11. Este príncipe domina sobre o mundo, que em João consiste de todos os pecadores. O lugar onde este príncipe esteve operan­do foi o céu. Mas nestas três referências, descobrimos que com a inauguração da hora de Jesus, o príncipe do mundo foi julgado e expulso do céu para a terra (cf. Ap 12.13-17). Isto significa que o príncipe já não tem acesso à presença de Deus para acusar seu povo.

Outro nome deste príncipe, “Satanás”, só aparece uma vez em João (Jo 13.27). Se Satanás é este príncipe, então ele também tenta as pessoas no mundo para que possa acusá-las na esfera limitada em que ele agora habita. Pelo fato de estar de muitas maneiras limitado, ele usa demônios ou espíritos para ajudá-lo, mas quer cuidar pessoalmente desta situação (embora no Evangelho de João não ocorram demônios nem espíritos malignos). Trata-se de guerra especial (cf. Ap 12). Satanás quer destruir Jesus e pensa que a morte o fará. Esta informação nos deixa cônscios de que Satanás não é sabedor de tudo, e que ele não sabe ou entende a ressurreição. Afinal de contas, ninguém nunca antes havia sido ressuscitado. Isto significa que Satanás também não entendeu a criação. Deus não criou tudo do nada? A única maneira que Satanás poderia saber era se tal fato tivesse acontecido para que ele pudesse tê-lo experimentado e “estudado”.

Este tipo de atividade acusatória e tentadora de Satanás é notada na Festa dos Tabernáculos (este é tema que apa­rece em sua liturgia e na reflexão das pessoas). Por que João usou “Satanás” em João 13.27 em vez de príncipe? Talvez seja esta a resposta. “Satanás” quer dizer adversário e acusador (cf. Ap 12.10). É irônico, então, que o adversário de Judas receba o melhor de si pela tentação e engano. Mas Satanás recebe mais do que barganhou — ele e Judas dão de cara com a destruição, e estão juntos para sempre.

Estes três objetos de convicção são colocados em certa sequência: o problema humano, o pecado; sua solução, a justiça; e a fonte da entrada do pecado no mundo e provocação contínua no ato de Satanás acusar as pessoas diante de Deus, o jul­gamento do príncipe. Deus agora falou em Jesus, fornecendo a resposta final à pergunta da razão de existir o mal. Mais algumas observações são necessárias. O que quer dizer “convencer”? Visto que Jesus não veio condenar o mundo (Jo 3.16,17), mas salvá-lo, a convicção tem de envolver o ato de informar o pecador do fato, natureza e consequência do pe­cado (i.e., o aspecto cognitivo). Também implica atrair ou cortejar o pecador para a luz (i.e., o aspecto emocional). Por fim, inclui convencer o pecador a ir na direção de Deus (i.e., o aspecto volitivo). Nestes três objetos de convicção acham-se uma teologia de missões mundiais como também uma explicação da presença do mal moral.

No versículo 12, Jesus volta-se novamente aos discípulos para indicar que eles precisam do Espírito para instruções adicionais — eles não podem suportar mais instruções agora. Neste parágrafo (vv. 12-16), “Espírito” substitui o nome “Consolador”, provavelmente porque Jesus quer enfatizar o aspecto verdadeiro da instrução do Espírito — que é o seu nome completo no versículo 13. A obra do Espírito é mais uma vez guiar a toda a verdade. No contexto (vv. 13-15), “toda a verdade” é a comunicação a respeito de Jesus e a que Ele faz. O Espírito é o agente entre o Filho (e o Pai) no céu e os crentes na terra. Quando Jesus diz que o Espírito “vo-lo há de anunciar” (v. 15), Ele não está falando sobre revelação mas iluminação. O Espírito “vos anunciará o que há de vir” (v. 13).

O papel, função e natureza do Espírito são mais elaborados aqui. O Espírito não falará de si mesmo, mas glorificará Jesus fazendo conhecido o que lhe pertence. A natureza e humildade recatada do Espírito vem à tona, até a sua atitude submissa e semelhante a servo, da mes­ma maneira que Jesus demonstrou no lava-pés no jantar.

O versículo 16 completa este parágrafo voltando a um tema que ocorre periodi­camente. Como observamos, a ascensão não é mencionada claramente, mas é alu­dida na declaração: “Um pouco, e não me vereis”. A volta de Jesus pelo Espírito surge pela frase: “E outra vez um pouco, e ver-me-eis”.

Exortação para Pedir Alegria/o Espírito (16.17-24). Desde João 14.22, é só Jesus quem fala. Agora os discípulos entram no diálogo perguntando entre si o significado do versículo 16. Os versículos 17 e 18 indicam que o que Jesus lhes disse os confunde. Eles ficaram se perguntando o que esta declaração e parte dela signifi­cavam. O ponto em particular que os faz perguntar é: “um pouco” (v. 18). É isto que Jesus atormenta no restante deste parágrafo. E este ponto se relaciona com os capítulos 14 a 17 e um dos significados de “Consolador”.

“Um pouco” quer dizer que os discí­pulos chorarão e lamentarão, enquanto o mundo se alegra. O “mundo” se refere aos pecadores (todos os grupos étnicos e nacionais, inclusive os judeus). Este tempo de tristeza abrange a semana da paixão até a ressurreição de Jesus. Os discípulos ficarão tristes durante este tempo, enquanto que o povo (o mundo) que mata Jesus pensará estar lhe dando um fim e se alegrará. Essas pessoas estão sob a influência e engano de Satanás, com quem juntaram forças. Como Satanás e Judas, e até como os discípulos, essa gente não tem percepção da ressurreição. Jesus está avisando-os e consolando-os com antecedência.

Mas a tristeza dos discípulos se trans­formará em alegria. O versículo 21 contém uma ilustração de dor que se transforma em alegria. A alegria estará com eles (vv. 20b,22) como está com a mulher que dá à luz um filho. Depois que o bebê nasce, a agonia de dar à luz é esquecida.

Nos versículos 23 e 24, Jesus exorta os discípulos a orar em seu nome ao Pai. Eles ainda não tinham feito isso. Tudo o que eles pedirem em nome de Jesus, o Pai o dará. Contudo, o contexto é claro. “Tudo” não é um cheque em branco. Jesus está exortando-os a pedir o Espí­rito; é Ele quem trará alegria. Jesus dará o Espírito, e eles o receberão. Ele dará a certeza de que Jesus está vivo, além de outras revelações, e a alegria deles estará completa. O Espírito lhes trará a presença do Pai e de Jesus. Isto visa João 20.19-23, quando Jesus aparece aos discípulos às portas fechadas. Ele assopra sobre eles (i.e., dá-lhes o Espírito), eles nascem de novo e a alegria brota de seus corações.

O versículo 22 alude claramente a isto de modo interessante. Em grego se lê que Jesus disse que os “verá”, e o coração deles “se alegrará”. As implicações são estas.

1. Esta presença de Jesus vai além de sua aparição pós-ressurreição.

2. Jesus os “vê” por ser Ele divino, mas o faz mais através do Espírito. Eles o experimen­tarão pelo Espírito no coração, o lugar onde Deus está e reina.

Finalmente, os Discípulos Entendem (l6.25-33). Dos versículos 25 a 28, Jesus diz aos discípulos que Ele não está mais lhes falando em linguagem figurativa. Chegou o momento a partir do qual eles podem entender o que Ele vem dizendo o tempo todo—que eles podem se relacionar diretamente com o Pai, como também com Ele. É importante observar que a hora de Jesus chegou quando sua obra terminou. Esta obra inclui a obra do Espírito no coração do crente, resultando em entendimento. Agora os discípulos entendem que Jesus veio do Pai. O Pai ama os seguidores do Filho porque eles amam e creem em Jesus, que voltará para o Pai.

Diante disso, os discípulos declaram que Jesus está falando claramente sem figura de linguagem, e que eles o enten­dem (vv. 29,30). Eles não precisam lhe fazer mais perguntas (veja os vv. 17,18). A referência a “parábolas” nos versículos 25 e 29 (“figuras de linguagem”) é a palavra grega paroimia. Em João, esta palavra diz respei­to à linguagem semelhante à parábola, que é difícil de entender. Neste sentido, é similar ao uso de parábolas nos outros Evangelhos. Lá os ouvintes, inclusive os discípulos de Jesus, muitas vezes não o entendem. O termoparoimia em João refere-se ao conteúdo e linguagem que vêm dos lábios de Jesus, e que as pessoas estão espiritualmente despreparadas para receber. Neste caso, os discípulos recebem insight que vem da obra de Jesus durante a semana da paixão. A capacidade deles lhes permitirá entender completamen­te quando o Espírito for dado em João 20.19-23. A dificuldade que eles têm em entender surge não do tipo de linguagem ou de seu conteúdo; antes, indica falta de capacidade espiritual.

A resposta de Jesus nos versículos 31 a 33 encerra o diálogo. “Credes, agora?” Alguns tradutores colocam um ponto de interrogação aqui; outros, um ponto final ou um ponto de exclamação (o qual se encaixa melhor). Mas Jesus prossegue insistindo sobre um assunto, o qual es­teve presente desde o capítulo 14. Judas não vai ser o último a abandonar Jesus; quando a hora chegar os outros discípu­los também fugirão como ovelhas. Mas o Pai não os abandonará. O leitor pode auferir grande segurança do caráter do Pai. Todos podem abandonar, mas Deus nunca abandona seus filhos — “Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós” (Jo 14.18).

O versículo 33 conclui estes três capí­tulos de prolongada instrução de Jesus e de diálogo entre Ele e os discípulos. Este versículo também apresenta outro significado do título “Consolador”: “Ad­vogado”. Jesus está falando aos discí­pulos com antecedência, para que eles tenham a certeza de sua posição com Deus — eles terão paz. O que é esta paz?. Fundamentalmente, alude a uma relação nova e profunda entre o crente e Deus. Esta relação efetuou-se pela obra de Jesus ao expiar os pecados do mundo e prover justiça e reconci­liação a um mundo que deu as costas a seu Criador.

Até este ponto, o mundo está debaixo de julgamento. Mas agora a paz é pos­sível a todos os que creem. Onde ela é encontrada também é salientado aqui: É “em mim” (v. 33). “Paz” e “em mim” des­tacam-se nas cartas paulinas, expressando estas verdades poderosas (veja esp. Rm 5). “Tende bom ânimo” também fortalece este significado de “Consolador”. No meio do fracasso e pecado, o crente tem bom ânimo ao saber que tem um Defensor para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo e Fiel (cf. 1 Jo 2.1,2). Com este lembrete e encorajamento, Jesus se volta para sua oração sumo sacerdotal (Jo 17).

Agora podemos sumariar o significado e função da palavra parakletos. Em João 14 a 16, o parakletos, também chamado o Espírito, vem do Pai e do Filho, mas através do Filho. Ele representa o Pai e o Filho para o mundo, especialmente para o crente. O mundo não pode e não o co­nhece, e, por conseguinte, não conhece o Pai e o Filho. Os crentes o conhecem, porque eles aceitam pela fé a obra expiatória de Jesus. O Espírito assumiu residência neles, que agora são chamados templo do Espírito.

O Espírito não só vive nos crentes, mas os consola, ensina, informa, assegura e dirige. Por outro lado, o Espírito trabalha pelos crentes no mundo para trazê-lo a Jesus. Existem duas funções principais do parakletos em João 14 a 16: nos cren­tes para regenerá-los e firmá-los, e pelos crentes, para testificar ao mundo que Deus providenciou uma solução para o pecado através do Filho. Embora não de maneira explícita, estas duas funções basilares são paralelas à obra do Espírito em Paulo e Lucas. Lucas-Atos enfatiza mais explicita­mente a segunda função — a capacitação para proclamar o evangelho ao mundo.


Bibliografia B. C. Aker

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