O Consolador e o discipulado
A Obra do Espírito Santo (16.1-33)
A Obra e a Natureza do Espírito (16.1-16). Os
versículos 1 a 4 são um parágrafo pequeno que começa com a mesma palavra grega
que em João 14.25 e 15.11: “Tenho vos dito essas coisas”. O parágrafo também
termina com a mesma frase. Com efeito, isto coloca a unidade entre parênteses.
O tópico do parágrafo contém séria advertência relativa à perseguição que virá
da sinagoga. Até à semana da paixão, não era necessário Jesus advertir os
discípulos sobre isso; mas agora Sua morte está se aproximando e o tempo de fazê-lo chegou. Na qualidade de seus seguidores, eles
também sofrerão o mesmo perigo (v. 4 — este elemento é uma adição ao último
parêntese).
A palavra usada somente em João (três vezes) para denotar esta
ameaça (aposynagogos) ocorre pela última vez.
Significa literalmente “expulsar da sinagoga”. Esta
referência reflete não só os dias de Jesus, mas também as exaltadas tensões que
surgiram da divisão oficial da Igreja e da sinagoga em torno de 85 d.C. É este ingrediente que dá a este
Evangelho a aparência de ser sectário. Ou seja, um grupo pequeno acredita que
contém a natureza verdadeira e religiosa que o corpo maior abandonou,
desenvolvendo a própria identidade e exemplificando esta verdadeira natureza.
Por conseguinte, atrai o ódio desse corpo. Mas o corpo maior acredita que está
protegendo a verdade ao remover a ameaça. Jesus fala adequadamente de tais
situações: “Vem mesmo a hora em que
qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus” (Jo 16.2). A razão
desse procedimento é que eles não conhecem o Pai ou o Filho.
A última sentença no versículo 4 serve de
transição para o parágrafo seguinte (vv. 5-16). O versículo 5 em grego começa com um conector
contrastante. A afirmação da volta de Jesus para o céu fornece a razão para seu
informe sobre a perseguição. “Vou” está no presente e sugere que nos eventos de
sua hora, Jesus já está no processo de voltar para o céu. Este fato sutil
permeia o relato da paixão e indica sua onipresença.
Estas notícias entristecem
grandemente os discípulos (v. 6). Isto deixa mais claro o motivo de Jesus os
encorajar várias vezes. Em João 14.1, quando Ele diz: “Não se turbe o vosso
coração”, Ele está antecipando o impacto destas notícias. Mas Ele também tem
grandes novas. No versículo 7, Ele observa que tem de voltar para o céu, senão o
Consolador não virá. Isto apoia o que dissera antes, que tinha de voltar ao Pai
para completar a obra de redenção. A vinda do Espírito (i.e., o Consolador)
está baseada na obra expiatória de Jesus. Tudo acerca da obra do Espírito está
relacionado com Jesus. Além disso, os discípulos não podem receber consolo sem
o Espírito, que fará seu trabalho no interior deles e entre eles. Este fato
sugere que a palavra parakletos, neste contexto, foi traduzida
adequadamente por “Consolador”.
Um substantivo de mesmo radical que
“Consolador” aparece em Lucas 2.25. Lá, Simeão espera a “consolação” de Israel.
Quer dizer, Israel espera a libertação que o Messias dará da condição dolorosa.
Israel será consolado. Contudo, o Espírito Santo já está sobre Simeão, que
ainda espera a consolação do Messias. Não obstante, isto se encaixa com João,
pois esta consolação só vem pela redenção que Jesus, o Messias, proverá. Note
que o próprio Jesus envia o Espírito (v. 7).
Os versículos 8 a 11 descrevem a
função do Consolador. Escrito da perspectiva da terra, quando Ele chegar Ele
convencerá o mundo de três coisas: do pecado, da justiça e do juízo. Até agora,
a vinda do Consolador foi para o bem dos crentes. Por exemplo, Ele estará com
eles, ser-lhes-á como pai (i.e., não os deixará como órfãos), lhes
testemunhará, os instruirá e os fará lembrar as coisas sobre Jesus.
“Consolador” é tradução apropriada paraparakletos até aqui. Agora o parakletos assume um papel semelhante ao
promotor público dos dias de hoje. Talvez nenhum nome seja adequado para o
Espírito em João 14 a 16.
O leitor não é deixado sozinho, imaginando
o que são estas três coisas que o Espírito fará como promotor público.
1. Ele
convencerá o mundo do pecado. Embora João presuma que todos são culpados do
“pecado original”, esta não é sua ênfase. Recorde João 3-16-21 (e outros
lugares), onde Jesus diz que Ele veio não para julgar os pecadores, mas para
salvá-los. Contudo os incrédulos já foram julgados porque não creem (Jo 3.18).
A vinda de Jesus confirma os pecadores em seu estado. Em João 3.20, aqueles que
habitualmente cometem o mal, recusam-se a ir para a luz, para que eles não
sejam reprovados, ou seja, convencidos (note em Jo 3.20 e 16.8,9 a ocorrência
de verbos de significado semelhante: “reprovar”, “convencer”; veja esp. Jo
15.22). Mas com a vinda do Consolador, Ele os convencerá.
A função de Jesus era tratar do
pecado de modo judicial. A função do Espírito será ir a cada pecador
pessoalmente e falar-lhe ao coração e vontade. Agora que o aspecto judiciário
foi tratado, o Espírito finalmente pode fazer seu trabalho. Ele virá e
convencerá o mundo do pecado, tanto em termos do pecado original e separação de
Deus (i.e., a forma singular de “pecado”, em Jo 16.8; cf. Jo 1.29; 8.21, etc.),
quanto dos pecados pessoais de cada um (i.e., a forma plural em Jo 8.24; etc.).
A ocorrência de palavras e até de sentenças semelhantes nos capítulos 3 e 16
diz ao leitor que ambos os contextos falam de tópicos semelhantes (e.g., cf. os
verbos “convencer” e “condenar” em Jo 16.8 e Jo 3.18, respectivamente).
2. O
Espírito convencerá o mundo da justiça. O Consolador convencerá da justiça,
porque Jesus voltou para o Pai e o mundo já não o vê. Este também é um refrão
recorrente neste Evangelho. Agora que o mundo estará convencido do pecado, ele
será atraído para sua solução. Jesus terá feito sua obra, que começou com a
vinda dos gregos (cf. a discussão sobre a “hora” no Jo 12), até que Ele volte
ao Pai e apresente sua obra de expiação concluída. Este é o único modo de se
acertar com Deus — aceitar Jesus como a justiça de Deus.
3. O
Espírito convencerá o mundo do juízo (ou
julgamento), porque o príncipe do mundo foi condenado. “O príncipe deste mundo”
ocorre em João 12.31; 14.30; 16.11. Este príncipe domina sobre o mundo, que em
João consiste de todos os pecadores. O lugar onde este príncipe esteve operando
foi o céu. Mas nestas três referências, descobrimos que com a inauguração da hora de Jesus, o príncipe do mundo foi
julgado e expulso do céu para a terra (cf. Ap 12.13-17).
Isto significa que o príncipe já não tem acesso à presença de Deus para acusar
seu povo.
Outro nome deste príncipe, “Satanás”, só aparece uma vez em João (Jo 13.27). Se Satanás é este príncipe, então ele também tenta as pessoas no mundo para que possa acusá-las na esfera limitada em que ele agora habita. Pelo fato de
estar de muitas
maneiras limitado, ele usa demônios ou espíritos para ajudá-lo, mas quer
cuidar pessoalmente desta situação (embora no Evangelho de João não ocorram
demônios nem espíritos malignos). Trata-se de guerra especial (cf. Ap 12). Satanás quer destruir Jesus e
pensa que a morte o fará. Esta informação nos deixa cônscios de que Satanás não é sabedor de tudo,
e que ele não sabe ou entende a ressurreição. Afinal de contas, ninguém nunca
antes havia sido ressuscitado. Isto significa que Satanás também não entendeu a
criação. Deus não criou tudo do nada? A única maneira que Satanás poderia saber
era se tal fato tivesse acontecido para que ele pudesse tê-lo experimentado e
“estudado”.
Este tipo de atividade acusatória e
tentadora de Satanás é notada na
Festa dos Tabernáculos (este é tema que aparece em sua liturgia e na reflexão
das pessoas). Por que João usou “Satanás” em João 13.27 em vez de príncipe?
Talvez seja esta a resposta. “Satanás” quer dizer adversário e acusador (cf. Ap 12.10). É irônico, então, que o
adversário de Judas receba o melhor de si pela tentação e engano. Mas Satanás
recebe mais do que barganhou — ele e Judas dão de cara com a destruição, e
estão juntos para sempre.
Estes três objetos de convicção são
colocados em certa sequência: o problema humano, o pecado; sua solução, a
justiça; e a fonte da entrada do pecado no mundo e provocação contínua no ato
de Satanás acusar as pessoas diante de Deus, o julgamento do príncipe. Deus
agora falou em Jesus, fornecendo a resposta final à pergunta da razão de
existir o mal. Mais algumas observações são necessárias. O que quer dizer
“convencer”? Visto que Jesus não veio condenar o mundo (Jo 3.16,17), mas
salvá-lo, a convicção tem de envolver o ato de informar o pecador do fato,
natureza e consequência do pecado (i.e., o aspecto cognitivo). Também implica
atrair ou cortejar o pecador para a luz (i.e., o aspecto emocional). Por fim,
inclui convencer o pecador a ir na direção
de Deus (i.e., o aspecto volitivo). Nestes três objetos de convicção acham-se
uma teologia de missões mundiais como também uma explicação da presença do mal moral.
No versículo 12, Jesus volta-se
novamente aos discípulos para indicar que eles precisam do Espírito para
instruções adicionais — eles não podem suportar mais instruções agora. Neste
parágrafo (vv. 12-16), “Espírito” substitui o nome “Consolador”, provavelmente
porque Jesus quer enfatizar o aspecto verdadeiro da instrução do Espírito — que
é o seu nome completo no versículo 13. A obra do Espírito é mais uma vez guiar
a toda a verdade. No contexto (vv. 13-15), “toda a verdade” é a comunicação a
respeito de Jesus e a que Ele faz. O Espírito é o agente entre o Filho (e o
Pai) no céu e os crentes na terra. Quando Jesus diz que o Espírito “vo-lo há de
anunciar” (v. 15), Ele não está falando sobre revelação mas iluminação. O Espírito “vos anunciará
o que há de vir” (v. 13).
O papel, função e natureza do
Espírito são mais elaborados aqui. O Espírito não falará de si mesmo, mas
glorificará Jesus fazendo conhecido o que lhe pertence. A natureza e
humildade recatada do Espírito vem à
tona, até a sua atitude submissa e semelhante a servo, da mesma maneira que
Jesus demonstrou no lava-pés no jantar.
O versículo 16 completa este parágrafo voltando a um tema que
ocorre periodicamente. Como observamos, a
ascensão não é mencionada claramente, mas é aludida na declaração: “Um pouco,
e não me vereis”. A volta de Jesus pelo Espírito surge pela frase: “E outra vez
um pouco, e ver-me-eis”.
Exortação
para Pedir Alegria/o Espírito (16.17-24). Desde
João 14.22, é só Jesus quem fala. Agora os discípulos entram no diálogo
perguntando entre si o significado do versículo 16. Os versículos 17 e 18
indicam que o que Jesus lhes disse os confunde. Eles ficaram se perguntando o
que esta declaração e parte dela significavam. O ponto em particular que os
faz perguntar é: “um pouco” (v. 18). É isto que
Jesus atormenta no restante deste parágrafo. E este ponto se relaciona com os
capítulos 14 a 17 e um dos significados de “Consolador”.
“Um pouco” quer dizer que os discípulos
chorarão e lamentarão, enquanto o mundo se alegra. O “mundo” se refere aos pecadores
(todos os grupos étnicos e nacionais, inclusive os judeus). Este tempo de
tristeza abrange a semana da paixão até a ressurreição de Jesus. Os discípulos
ficarão tristes durante este tempo, enquanto que o povo (o mundo) que mata
Jesus pensará estar lhe dando um fim e se alegrará. Essas pessoas estão sob a
influência e engano de Satanás, com quem juntaram forças. Como Satanás e Judas,
e até como os discípulos, essa gente não tem percepção da ressurreição. Jesus
está avisando-os e consolando-os com antecedência.
Mas a tristeza dos discípulos se
transformará em alegria. O versículo 21 contém uma ilustração de dor que se
transforma em alegria. A alegria estará com eles (vv. 20b,22) como
está com a mulher que dá à luz um filho. Depois que o bebê nasce, a agonia de dar à luz é esquecida.
Nos versículos 23 e 24, Jesus exorta
os discípulos a orar em seu nome ao Pai. Eles ainda não tinham feito isso. Tudo
o que eles pedirem em nome de Jesus, o Pai o dará. Contudo, o contexto é claro.
“Tudo” não é um cheque em branco. Jesus está exortando-os a pedir o Espírito;
é Ele quem trará alegria. Jesus dará o Espírito, e eles o receberão. Ele dará a
certeza de que Jesus está vivo, além de outras revelações, e a alegria deles
estará completa. O Espírito lhes trará a presença do Pai e de Jesus. Isto visa
João 20.19-23, quando Jesus aparece aos discípulos às portas fechadas. Ele
assopra sobre eles (i.e., dá-lhes o Espírito), eles nascem de novo e a alegria
brota de seus corações.
O versículo 22 alude claramente a isto
de modo interessante. Em grego se lê que Jesus disse que os “verá”, e o coração
deles “se alegrará”. As implicações são estas.
1. Esta
presença de Jesus vai além de sua aparição
pós-ressurreição.
2. Jesus
os “vê” por ser Ele divino, mas o faz mais
através do Espírito. Eles o experimentarão pelo Espírito no coração, o lugar
onde Deus está e reina.
Finalmente,
os Discípulos Entendem (l6.25-33). Dos versículos 25 a 28, Jesus diz
aos discípulos que Ele não está mais lhes falando em linguagem figurativa.
Chegou o momento a partir do qual eles podem entender o que Ele vem dizendo o
tempo todo—que eles podem se relacionar diretamente com o Pai, como também com
Ele. É importante observar que a hora de Jesus chegou quando sua obra terminou.
Esta obra inclui a obra do Espírito no coração do crente, resultando em
entendimento. Agora os discípulos entendem que Jesus veio do Pai. O Pai ama os
seguidores do Filho porque eles amam e creem em Jesus, que voltará para o Pai.
Diante disso, os discípulos declaram
que Jesus está falando claramente sem figura de linguagem, e que eles o entendem
(vv. 29,30). Eles não precisam lhe fazer mais perguntas (veja os vv. 17,18). A
referência a “parábolas” nos versículos 25 e 29 (“figuras de linguagem”) é a
palavra grega paroimia.
Em João, esta palavra diz respeito à linguagem semelhante à parábola, que é
difícil de entender. Neste sentido, é similar ao uso de parábolas nos outros
Evangelhos. Lá os ouvintes, inclusive os discípulos de Jesus, muitas vezes não
o entendem. O termoparoimia em João refere-se ao conteúdo e
linguagem que vêm dos lábios de Jesus, e que as pessoas estão espiritualmente
despreparadas para receber. Neste caso, os discípulos recebem insight que vem da obra de Jesus durante a semana
da paixão. A capacidade deles lhes permitirá entender completamente quando o
Espírito for dado em João 20.19-23. A dificuldade que eles têm em entender
surge não do tipo de linguagem ou de seu conteúdo; antes, indica falta de
capacidade espiritual.
A resposta de Jesus nos versículos 31
a 33 encerra o diálogo. “Credes, agora?” Alguns tradutores colocam um ponto de
interrogação aqui; outros, um ponto final ou um ponto de exclamação (o qual se encaixa melhor). Mas Jesus prossegue
insistindo sobre um assunto, o qual esteve presente desde o capítulo 14. Judas
não vai ser o último a abandonar Jesus; quando a hora chegar os outros discípulos
também fugirão como ovelhas. Mas o Pai não os
abandonará. O leitor pode auferir grande segurança do caráter do Pai. Todos
podem abandonar, mas Deus nunca abandona seus filhos — “Não vos deixarei
órfãos; voltarei para vós” (Jo 14.18).
O versículo 33 conclui estes três
capítulos de prolongada instrução de Jesus e de diálogo entre Ele e os
discípulos. Este versículo também apresenta outro significado do título
“Consolador”: “Advogado”.
Jesus está falando aos discípulos com antecedência, para que eles tenham a
certeza de sua posição com Deus — eles terão paz. O que é esta paz?. Fundamentalmente,
alude a uma relação nova e profunda entre o crente e Deus. Esta relação
efetuou-se pela obra de Jesus ao expiar os pecados do mundo e prover justiça e
reconciliação a um mundo que deu as costas a seu Criador.
Até este ponto, o mundo está debaixo
de julgamento. Mas agora a paz é possível a todos os que creem. Onde ela é
encontrada também é salientado aqui: É “em mim” (v. 33). “Paz” e “em mim” destacam-se
nas cartas paulinas, expressando estas verdades poderosas (veja esp. Rm 5). “Tende
bom ânimo” também fortalece este significado de “Consolador”. No meio do
fracasso e pecado, o crente tem bom ânimo ao saber que tem um Defensor para com
o Pai, Jesus Cristo, o Justo e Fiel (cf. 1 Jo 2.1,2). Com este lembrete e
encorajamento, Jesus se volta para sua oração sumo sacerdotal (Jo 17).
Agora podemos sumariar o significado
e função da palavra parakletos. Em
João 14 a 16, o parakletos, também
chamado o Espírito, vem do Pai e do Filho, mas através do Filho. Ele representa
o Pai e o Filho para o mundo, especialmente para o crente. O mundo não pode e
não o conhece, e, por conseguinte, não conhece o Pai e o Filho. Os crentes o
conhecem, porque eles aceitam pela fé a obra expiatória de Jesus. O Espírito
assumiu residência neles, que agora são chamados templo do Espírito.
O Espírito não só vive nos crentes,
mas os consola, ensina, informa, assegura e dirige. Por outro lado, o Espírito
trabalha pelos crentes no mundo para trazê-lo a Jesus. Existem duas funções
principais do parakletos em João 14 a 16: nos crentes para regenerá-los e
firmá-los, e pelos crentes, para testificar ao mundo
que Deus providenciou uma solução para o pecado através do Filho. Embora não de
maneira explícita, estas duas funções basilares são paralelas à obra do
Espírito em Paulo e Lucas. Lucas-Atos enfatiza mais explicitamente a segunda
função — a capacitação para proclamar o evangelho ao mundo.
Bibliografia B. C. Aker
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