Introdução
O apóstolo
João declara o propósito de escrever seu evangelho: “Estes, porém, foram
registrados para quecreiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para
que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). João transmite-nos todo o
volume de testemunho que o convenceu, e a outros da sua geração, quanto à
divindade de Cristo, e tem confiança de que outros, igualmente, serão
inspirados com a mesma convicção.
O apóstolo
apresenta três séries de testemunhos: 1) Os milagres de Cristo, que chama de
“sinais”, porque demonstram a divindade de quem os opera. Quantos
milagres operados antes da crucificação João registra no seu livro? 2) As
asseverações de Jesus quanto à sua natureza e missão. Note quantas vezes João
registra as reivindicações de Jesus, que começam com as palavras “eu
sou”. 3) João registra os testemunhos de outras pessoas - de João
Batista, dos primeiros discípulos e daqueles que receberam a cura da parte de
Jesus.
Este trecho é um exemplo da terceira série de evidências. Citam-se aqui
os testemunhos de João Batista e André, irmão de Pedro, como veremos aqui em ebdareiabranca.
Quando
Jesus emergiu da vida particular para entrar no ministério público, não tinha
nenhum adepto ou seguidor. Deus, porém, enviara um profeta para preparar o
caminho diante dele - João Batista, para “preparar ao Senhor um povo bem
disposto” (Lc 1.17). Foi no meio dos convertidos de João Batista que Jesus
recebeu seus primeiros discípulos. Nosso trecho bíblico conta como três desses
discípulos (inclusive o discípulo não
mencionado pelo nome) deixaram a escola preparatória de João Batista
para se tornarem estudantes da escola superior de Jesus.
A Uma Declaração Que Chama a Atenção (Jo 1.35,36)
“No dia
seguinte João estava outra vez ali, e dois dos seus discípulos [André e João];
e, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus”. Estudemos o
significado desta proclamação, examinando as palavras, uma por uma.
1. “EIS aqui o Cordeiro de Deus”. Literalmente, “veja”. O evangelista apela ao pecador que veja o
Crucificado e, contemplando-o, lamente os pecados que causaram sua morte.
2. “Eis O Cordeiro de Deus”. Os
sacrifícios de animais não operavam a perfeita redenção, haja vista que sempre
tinham de ser repetidos. Nenhum sacerdote de Israel, cansado por causa do
serviço ao redor do altar, poderia voltar para casa, dizendo: “Minha esposa,
finalmente ofereci o sacrifício final; o povo está completamente perdoado e
purificado”. No entanto, qualquer um dentre os sacerdotes que obedeciam à fé
(At 6.7) poderia ter dito isso, porque o Cordeiro perfeito, do qual os demais
eram apenas símbolos, já fora oferecido (cf. Hb 10.11,12).
3. “Eis o CORDEIRO de Deus”. O
cordeiro era um animal sacrifical; João, portanto, identificava Jesus com o
Sacrifício enviado da parte de Deus, “que tira o pecado do mundo”. Leia Isaías
53, que é um ponto alto na doutrina do sacrifício, por profetizar que o próprio
Messias em pessoa haveria de se tornar a expiação pela raça humana. Compare
com Atos 8.32-35. Talvez João também se referisse ao cordeiro da Páscoa (cf. 1
Co 5.7). No início do período da Lei, há o cordeiro da Páscoa, cuja aceitação
por parte da nação de Israel redimiu-a do meio da nação gentia; quase no fim
do período da Lei, há outro Cordeiro, rejeitado pelos israelitas - e, por causa
deste pecado, foram espalhados entre os gentios.
4. “Eis
o Cordeiro de DEUS". Uma das mais marcantes diferenças
entre a fé cristã e o paganismo é que os adoradores pagãos trazem sacrifícios
na tentativa de se reconciliarem com os seus deuses, enquanto a mensagem do
Evangelho declara que o próprio Deus enviou um sacrifício em nosso favor a fim
de nos reconciliar consigo (Rm 8.32; 2 Co 5.19). Deus trouxe a nós o sacrifício
que nos coloca mais perto de Deus, e até o Antigo Testamento apresenta a
expiação como sendo a dádiva da graça divina: “Porque a alma da carne está no sangue; pelo
que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação
pelas vossas almas” (Lv 17.11).
B Uma Apresentação Inesquecível (Jo
1.37-39)
1. Os discípulos que procuram. “E os dois discípulos ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus.”
A congregação de João começou a deixá-lo; ele, no entanto, não sentiu ciúmes
porque, afinal, foi justamente esta obra de apontar às pessoas o Messias que
viera fazer: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (cf. Jo 3.25-30). O fiel obreiro cristão conduz as pessoas a Cristo, e
não a si mesmo.
2. A pergunta perscrutadora. “E Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Que
buscais?” OSenhor não deixa que ninguém o siga em vão; mostrará o seu rosto
àqueles que o seguem em sinceridade. Note que as palavras “que buscais?” são um
gracioso convite aos que o procuram, para que abram o seu coração a Ele. Ele a
todos pergunta: “Que buscais?” Estão procurando verdade, poder,
perdão, amor, paz, vitória, esperança, forças? Ele pode nos oferecer tudo
quanto buscamos e de que necessitamos. Além disso, a pergunta é um desafio, no
sentido de ver se estamos procurando as coisas certas, porque ele procura
discípulos sinceros e que entendam o que estão fazendo.
3. A pergunta tímida. “E eles disseram-lhe: Rabi (que, traduzido quer dizer, Mestre),
onde moras?” Apesar de se sentirem um pouco acanhados na sua presença, os
jovens ficaram tão impressionados em seu primeiro contato com Jesus que
desejavam saber mais acerca dele; queriam saber o seu endereço, visando a uma
visita mais prolongada. Lição: não devemos nos limitar a uma olhada passageira
em Cristo; devemos saber onde Ele habita, para que nos receba como hóspedes.
4. O convite gracioso. “E ele lhes disse: Vinde, e vede.” Este convite é a melhor
resposta aos que duvidam e aos interessados - é o apelo à experiência. Podemos
dar às pessoas uma excelente receita culinária, e fazer grande esforço de descrever
quão delicioso é certo prato, mas nada se compara com levar o próprio ouvinte a
experimentar a comida por si mesmo. “Provai, e vede que o Senhor é bom” (Sl
34.8)
C Uma Entrevista Que Transforma a Vida (Jo 1.39)
“Foram, e
viram onde morava, e ficaram com ele aquele dia”. O escritor
inspirado não nos conta os detalhes daquela inesquecível visita; sabemos, no
entanto, que o contato com o radiante Mestre contribuiu com algo de vital à
vida de André. Nunca mais foi o mesmo depois daquela entrevista. “Senti um
calor estranho no meu coração”, disse João Wesley, descrevendo seu primeiro
contato vivo com Cristo, e certamente André sentiu-se assim durante a sua festa
espiritual com o Mestre. Quem aceitar o convite de Jesus (“Venha ver”) receberá
outro convite (“Venha cear”). O primeiro é para os que ainda não são do seu
rebanho; o segundo é para os que já entraram no seu aprisco.
D Uma Grande Descoberta (Jo 1.40)
André saiu
daquela casa transbordando com uma poderosa convicção e, enlevado pela
descoberta que tanto o emocionara, foi correndo falar com o seu irmão Pedro,
anunciando as novas que fariam palpitar o coração de qualquer verdadeiro
israelita: “Achamos o Messias”. Muitos judeus podem dizer, até hoje: “Cremos na
vinda do Messias, oramos e ansiamos por aquele acontecimento”, mas nenhum
judeu que não crê em Jesus pode dizer, juntamente com André: “Achamos o
Messias”.
Note que
André veio a ser testemunha de Cristo no dia da sua conversão. As coisas maravilhosas
que Cristo sussurra nos ouvidos do homem, em segredo, ficam ardendo no seu
íntimo até que ele conte aos outros.
E Um Serviço de Amor (Jo 1.42)
André não
se restringiu a contar as novas: queria que seu irmão as experimentasse por si
mesmo. Lemos, portanto: “E levou-o a Jesus” - o serviço mais gentil que uma
pessoa pode fazer a outra. Não é necessário que alguém seja grande pregador ou
gênio espiritual para assim fazer.
André
começou o trabalho em seu próprio lar: “Este achou primeiro a
seu irmão”. O melhor preparo a um missionário
é começar em casa; se não conseguimos levar outras pessoas a Cristo
em nossa própria terra, como o faremos em outras terras? Quando o endemoninhado
liberto por Jesus quis seguir viagem com Ele, o Mestre respondeu: “Vai para
tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor
te fez, e como teve misericórdia de ti” (Mc 5.19).
F Uma Recepção Graciosa (Jo 1.42)
“E,
olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas (que
quer dizer Pedro).”Cefas, em hebraico, quer dizer “pedra” ou “rocha”. O que
Cristo quis dizer com isto?
1. Na
Bíblia, a mudança de nome frequentemente significava mudança da natureza da
pessoa, da sua situação ou experiência (Gn 32.28). Este encontro com Jesus se
constituiu em ponto crítico na vida de Pedro - a hora em que ele passou a ser
de Cristo.
Dan
Crawford conta acerca do valor que os congoleses dão a nomes:
“O homem
que se transforma muda também de nome. Um jovem perto de mim recebeu um aumento
salarial, e tomou dinheiro adiantado para comprar um nome. Para ele, o nome era
um patrimônio tão valioso como um imóvel, pertencendo-lhe como se fosse seu
cachorro ou sua arma. O jovem queria comprá-lo solenemente, à vista.
Naturalmente que possuía nome, mas achava seu nome de nascimento por demais infantil:
não é verdade que fora dado por conjectura, e sem o consentimento dele? Não é
verdade que o nome deve ser um legítimo reflexo do caráter da pessoa?... Não é
de se estranhar, portanto, que quando você diz ao africano que no céu teremos
uma nova natureza, este responde: ‘Devemos, portanto, receber um nome novo”’
(ver Ap 2.17).
2. A
mudança de nome foi, neste caso, uma promessa de poder transformador. Talvez
Pedro pensasse, consigo mesmo, na presença do Mestre: “Como poderei eu, homem
de caráter fraco e instável, ser digno de entrar no reino do Messias?” (cf. Lc
5.7,8). O Senhor, percebendo os temores íntimos de Pedro, queria dizer: “Sei
que o homem chamado Simão é conhecidamente impulsivo, impetuoso e instável.
Tenha, porém, bom ânimo. Assim como sei quem é você, assim também sei o que
você será. Venha a mim assim como você é, e eu o farei uma pedra firme no meu Reino.
Como sinal desta promessa, seu nome será Cefas.”
O Senhor
sempre é o mesmo: recebe-nos em nossa fraqueza, sabendo que poderá nos tornar
fortes.
3. O
novo nome foi sinal da autoridade de Cristo exercida sobre Pedro, assim como um
rei pode alterar o nome de alguém que levou cativo (cf. Dn 1.7). Daquele
momento em diante, Pedro ficou pertencendo a Cristo e, com todo amor, chamava-o
de Mestre.
G Ensinamentos Práticos
1. A maior necessidade do homem.
Sacrifícios, altares e templos em todas as terras e época testificam esta
verdade: os homens sempre sentiram o fato de as coisas andarem erradas no seu
relacionamento com o poder superior, e que a apresentação de um sacrifício com
derramamento de sangue é necessária para retificar a situação. Cada pessoa
que honestamente examinar o seu próprio coração sentir-se-á constrangida a
dizer “Amém!” à declaração bíblica: “Pois todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus” (Rm 3.23). Muitos remédios têm sido oferecidos para curar a
falta de harmonia que há na alma humana; João Batista, porém, apontou o remédio
divino: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”
2. Uma pergunta perscrutadora. “Que buscais?” Esta pergunta sugere duas lições. 1) A
necessidade de termos nítida consciência de qual é o nosso objetivo na vida.
Muitas pessoas são levadas à deriva pela vida, impulsionadas pelas
circunstâncias; sabem quais as suas necessidades imediatas; não podem, porém,
apontar um objetivo supremo para atingir, nem mencionar um grande propósito
que controle a sua vida. Jesus, para despertar nas pessoas o reconhecimento de
quão fútil é a vida que vão levam, pergunta-lhes: “Que buscais?” 2)A pergunta
desafia as pessoas a se tornarem discípulos sérios. Marcos Dods escreve:
“Cristo
deseja ser seguido com toda a seriedade. Tantos o seguem porque uma multidão
está indo atrás dele, levando outras pessoas consigo; tantos o seguem porque
está na moda, sem possuírem opinião própria; muitos o seguem como por
experiência, e vão ficando para trás quando surge a primeira dificuldade;
muitos seguem com ideias errôneas quanto àquilo que esperam da parte dEle...
Cristo não manda ninguém embora simplesmente pela sua lentidão em entender quem
é Ele e o que Ele tem feito pelos pecadores. Com esta pergunta, no entanto, nos
faz entender que aquela atração vaga e misteriosa que, qual ímã escondido,
atrai a ele as pessoas, deve ser trocada por uma compreensão nítida quanto ao
que nós mesmos esperamos receberdEle para suprir as nossas necessidades.
Ele não rejeitará pessoa alguma que responda, com sinceridade: “Buscamos a
Deus, buscamos a santidade, buscamos serviço contigo, buscamos a ti.”
3. “Vinde, e vede". E um desafio aos que duvidam e questionam. Certo cristão aceitou o
desafio de um não-crente para debater com ele em público. Depois do
discurso do não-crente, o cristão, sem falar uma palavra, tirou uma
laranja do bolso, descascou-a, comeu-a e depois perguntou: “Bem, como estava a
laranja?” “Como vou saber?”, retrucou o não-crente. “Nem sequer provei
dela”. Respondeu o crente: “Como o senhor pode conhecer o Cristianismo quando
não o experimentou?”
Um
interessado pode ouvir e ler acerca de Cristo; o melhor caminho, no entanto, é
chegar diretamente a Ele para experimentar seu poder. Para se explicar aos
índios da floresta tropical o que é o gelo, mais valeria um pedaço para
examinarem do que uma hora de preleções sobre o assunto.
4. Testemunho de Cristo. O testemunho de André sugere três lições: 1) “Este achou primeiro
a seu irmão”. Quanto mais estreitos os laços de parentesco entre quem
testemunha e quem ouve, mais enfático será o testemunho. Há mais força de
convicção entre os que se conhecem intimamente do que na mensagem falada em
público. Quando alguém encontra Cristo de forma tão real que sua alegria é tão
óbvia como quando encontra um excelente emprego ou vaga universitária, seu
testemunho não deixará de convencer aos que o conhecem. 2) O testemunho
pessoal é prova da convicção pessoal; quando alguém tem profunda convicção,
não pode ficar tranquilo até compartilhá-la com outra pessoa. 3) O
testemunho pessoal faz parte do plano de Deus para a evangelização do mundo.
No século que se seguiu à era apostólica, não houve notícia de “grandes”
evangelistas e missionários; não há registro de campanhas evangelísticas
abrangendo cidades inteiras. A Igreja, no entanto, cresceu com ritmo veloz. A
explicação é que cada cristão considerou ser dever e privilégio testemunhar de
Cristo. O escravo testemunhava perante seu dono; o operário, ao seu
companheiro; o vendedor, aos seus fregueses; o filho, aos pais. Os pastores,
evangelistas e missionários se destacam na liderança da obra de ganhar almas
para Cristo, mas não podem ficar sem a colaboração dos membros das suas
congregações.
Bibliografia M. Pearlman, ATOS DOS APOSTOLOS
COMENTARIO ,CPAD 2000
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